"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
concedeu, na manhã desta sexta-feira (26), a primeira entrevista desde que foi
preso, em abril de 2018. Com autorização da Justiça, os jornalistas Mônica
Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo e Florestan Fernandes Júnior, do portal El
País, acompanhados por uma equipe de fotógrafos e cinegrafistas, conversaram
com o petista por cerca de duas horas, em Curitiba.
“Foi uma entrevista muito boa, o presidente está super bem,
ficou feliz em dar a entrevista, fiquei surpreso com o ânimo dele, a
disposição”, disse Florestan ao sair do prédio da Superintendência Regional da
Polícia Federal.
De acordo com o relato dos jornalistas, Lula conversou sobre
diversos assuntos. “Em duas horas deu para falar de todos os temas, de como ele
está na prisão, de política nacional, de governo Bolsonaro, de política
internacional, ele passeou por todos os temas”, afirmou Mônica.
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pagos por apartamento
Os dois veículos conversaram com Lula em uma sala preparada
pela PF. Os agentes explicaram aos jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas
presentes que ele seria colocado em uma mesa a uma distância de 4 metros de
todos. Ninguém poderia se aproximar. Segundo a PF, eles estavam cumprindo um
protocolo de segurança comum a todos os presos.
Do lado de fora, poucos pessoas acompanharam a expectativa
gerada pelo dia da entrevista. Alguns militantes petistas do acampamento Lula e
colegas de imprensa ficaram postados do lado de fora, aguardando por uma
palavra dos jornalistas. Até mesmo um apoiador do presidente Jair Bolsonaro
apareceu, mas nenhuma confusão foi registrada."
"O que Lula disse
Em duas horas e dez minutos de entrevista, o ex-presidente
falou da vida na prisão, da morte do neto, do governo Bolsonaro, das acusações
de corrupção que sofre, dos seus algozes e da possibilidade de nunca mais sair
da prisão. "Não tem problema", afirmou ele quando questionado sobre a
possibilidade.
"Eu tenho certeza de que durmo todo dia com a minha
consciência tranquila", completando que, na visão dele, o mesmo não deve
ocorrer com o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro, a quem se
referiu diversas vezes com ironia. Lula disse acreditar que o atual ministro da
Justiça "não sobrevive na política".
Já sobre o presidente Jair Bolsonaro, o petista afirmou que
"ou ele constrói um partido sólido, ou não perdura". Disse que a
elite brasileira deveria fazer uma autocrítica depois da eleição de Bolsonaro.
"Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país
estar governado por esse bando de maluco que governa o país. O país não merece
isso e sobretudo o povo não merece isso", afirma.
E comparou o tratamento que a imprensa dá a ele com o que
reserva ao atual presidente da República. "Imagine se os milicianos do
Bolsonaro fossem amigos da minha família?", questionou, referindo-se ao
fato de o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, ter empregado familiares de um
miliciano foragido da Justiça em seu gabinete quando era deputado estadual pelo
Rio.
O ex-presidente chorou quando falou da morte do neto Artur,
de 7 anos, vítima de uma bactéria, há um mês. "Eu às vezes penso que seria
tão mais fácil que eu tivesse morrido. Eu já vivi 73 anos, poderia morrer e
deixar o meu neto viver".
Lula disse ainda que, se sair da prisão, quer
"conversar com os militares" para entender "por que esse ódio ao
PT", já que, segundo ele, seu governo teria recuperado o orçamento das
Forças Armadas. Disse que acompanha a briga do filho de Bolsonaro com o
vice-presidente Hamilton Mourão. Afirmou ser "grato" ao general
"pelo que ele fez na morte do meu neto [defender que ele fosse ao
velório], ao contrário do filho do Bolsonaro [Eduardo]", que afirmou no
Twitter que Lula queria se vitimar com a morte do menino.
Afirmou que o país tem hoje "o mais baixo nível de
política externa que já vi na vida". E disse, em tom de brincadeira, que o
ex-chanceler de seu governo, Celso Amorim, tem uma dívida por ter deixado o
atual chanceler, Ernesto Araújo, seguir carreira no Itamaraty.
Questionado sobre Fernando Henrique Cardoso, disse que o
ex-presidente poderia "ter um papel de grandeza e mais respeitoso com ele
mesmo, não comigo".
O ex-presidente falou ainda da necessidade de diálogo entre
partidos de esquerda. E comentou o fato de o senador Cid Gomes (PSB-CE), irmão
de Ciro Gomes, que afirmou em um encontro do PT: "Lula está preso,
babaca!". O petista disse que não ficou chateado pois está mesmo preso.
"Isso é uma verdade. Só não precisava chamar os outros de babaca",
disse, rindo.
Entrevista virou novela que durou 7 meses
A realização da entrevista pela Folha e o El País encerrou
uma novela que se arrastou por meses na Justiça. Eles tiveram que entrar com
pedidos no Supremo Tribunal Federal (STF) para obter licença para entrevistar o
petista na cadeia, em setembro de 2018, semanas antes do primeiro turno das
eleições.
Na ocasião, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar
favorável, alegando que Lula tinha o direito de se expressar. Mas o diretório
nacional do partido Novo recorreu dessa decisão e o ministro Luiz Fux,
vice-presidente do Supremo, acatou o pedido e proibiu a entrevista. A decisão
causou polêmica entre os ministros e acabou arbitrada pelo presidente do STF,
Dias Toffoli, que manteve o veto.
A Folha de São Paulo denunciou o caso como "censura
prévia", que só foi revertida uma semana atrás, na esteira da polêmica
causada por outro episódio de censura, desta vez à revista Crusoé e ao portal O
Antagonista.
Pressionado, o STF derrubou o veto judicial à revista e na
sequência autorizou que o ex-presidente concedesse a entrevista à Folha e ao El
País.
Exclusiva, mas nem tanto
As entrevistas foram agendas para esta sexta-feira (26), mas
o superintendente regional da PF no Paraná, o delegado Luciano Flores de Lima,
resolveu, de forma controversa, que as entrevistas não seriam exclusivas e que
outros veículos de imprensa poderiam acompanhá-las, embora sem poder fazer
perguntas. Os jornalistas que poderiam acompanhar seriam escolhidos pela
própria PF.
A defesa de Lula protesto contra isso e recorreu ao STF,
alegando que a PF estaria descumprindo a decisão da Corte. O ministro
Lewandowski reiterou então, mais uma vez, que as entrevistas deveriam ser
exclusivas.
Nesta sexta, Florestan Fernandes e Mônica Bergamo disseram
que foram bem atendidos pela PF. Perguntado sobre o imbróglio, Florestan disse
que em décadas de carreira nunca tinha visto algo assim.
Defesa diz que não pensa em semiaberto
O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, disse
que a entrevista ocorreu com normalidade, “apenas talvez com atraso
significativo”, dadas as proibições anteriores.
Perguntado se entraria com um pedido de progressão ao regime
semiaberto para Lula, após a decisão mais recente do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) que reduziu o tempo da pena do petista, Zanin desconversou.
"Nós não temos nenhuma estratégia definida, o foco da
defesa é a busca pela inocência, a absolvição do ex-presidente, este é o foco e
é desta forma e deste objetivo que nós atuamos e continuaremos atuar”,
explicou.
Com um sexto da pena cumprida, o que deve se completar em
setembro deste ano, Lula poderá deixar o regime fechado, desde que não seja
condenado novamente em segunda instância, agora no processo do sítio de
Atibaia."
Com informações do portal Gazeta do Povo
Vídeo YouTube (TV Folha)
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